nocturnus - zero um




Mais uma!

A noite fervilha de conversas que dançam por entre copos e garrafas e espirais de fumo. 
Todos falam e muito poucos dizem alguma coisa. Gosto destas noites, são um viveiro. Entranham-se-me nos poros da mesma forma que as transpiro. 
Sou pior que gato em noite escura. Levo-lhe larga vantagem. 

Ele consegue ver um rato a tirar a rolha da garrafa do rei da Rússia. 
 Só não consegue perceber que o rato também gosta de vodka. E essa é a nossa diferença. 

Mal ele me disse, “miauuuu, miau miau miau miau miau da Rússia!”, eu atirei-lhe logo – gosta de vodka! “miauuuda-se!” – bufou ele!

Eu vejo emoções, mesmo lá no fundo dos olhos, por detrás do escudo que as tenta proteger do alheio, e isso é bem mais fodido do que ver um rato a emborrachar-se com a vodka do czar, a não sei quantos mil quilómetros de noite.

Roer de unhas nervoso em olhar suplicando um outro olhar; mãos pensativas em queixos caídos segredando ao balcão as virtudes de um bom copo; queixos caídos nas calças traseiras femininas, sonhando com a haute couture dos cus que as vestem; cus que se saracoteiam de cá para lá dizendo – é bom mas é meu, you can look but you can’t touch – e deleitam-se com a baba que escorre dos queixos. Raios partam essa haute couture, que até apetece ser private dressmaker, ou melhor, undressmaker. Depois da baba, empunha-se a fita métrica e convida-se para a prova, e aí, vem a nega! 

miauuuta miauuriu!

Apetece desabar o bar e enfiar-lho pelo cu, caquinho por caquinho, pilar por pilar. Faz lembrar aquelas mulheres que trazem a coxa pela minissaia e depois procuram em vão esticar-lhe o pano até aos calcanhares. Foda-se! Depois, são essas mulheres que lutam contra as Burkas. Vá-se lá entender.
 
E há o J, que sofre! Ele não mo disse mas percebe-se. Hoje substituiu o seu B de eleição por umas valentes bejecas. Sintomático. Ou talvez não, para quem não tem os hemisférios bem arrumados. O J sofre dessa coisa a que chamam amor. E de dor. O amor e a dor estão intimamente ligados, raramente se largam, parecem duas putas. (nunca percebi bem esta tirada, as putas andam aos pares? Eu já as vi sozinhas ou aos magotes. Mas, de qualquer das formas é uma expressão que fica e soa bem: parecem duas putas!) 
À sua maneira, causam um mesmo efeito - devastação. 

Sabes Roger, o J não tem uma pedra, ainda. Tem o peito cravejado de pedradas, daquelas pequenas que se vão amontoando e, mais tarde ou mais cedo, se fundirão e tornarão o seu peito numa rocha. Tão sólida que não haverá dor que a penetre. Porque ali não mais entrará o amor com a facilidade do olhar, daquele que nos diz o que vai no peito de quem nos olha.

E será preciso muito mais que toda a água para quebrar o escudo. 

Talvez uma lágrima. 
Sim! Uma lágrima bastará. Mesmo de crocodilo, que quando o crocodilo chora é de dor.

Sofre, J.
Esta noite o re-amor bateu-lhe à porta. Ela, da sua mesa, entreabriu-lha.
Ele entrou.
Orelhas, olhos e até olfactos se eriçaram na expectativa. Eu vi e senti.
O gato, fodias-te! Estava mais interessado na barata que não vi.